Eu gosto de pessoas. Principalmente das minhas pessoas. Daqueles que viajam 6, 8 ou até 10 horas pra receber um atendimento de 20-30 minutos em um ambulatório do SUS, onde na sala de espera faltam cadeiras.
E a gente não sabe se dá prioridade praquela senhora de 78 anos que viajou desde às 4 da manhã, ou praquela mãe com o bebê recém saído da UTI, que carrega (de ônibus) um balão de oxigênio que garante a vida do filho.
Eu não sei se gosto mais dos olhos ansiosos que me seguem quando eu chego, ainda com sono, ou se gosto do sorriso tímido que sempre brota no canto da boca, no final da sessão, soando como um alívio.
Não sei se gosto mais quando essas pessoas me emocionam todos os dias com suas histórias heróicas, por vezes inacreditáveis, ou quando dizem, com o maior amor do mundo, que dariam a própria vida pra tirar “aquele tubo da garganta do filho”.
Eu só não gosto quando eu sou obrigada a usar jaleco branco, jaleco esse que acaba funcionando como uma grande muralha no início, distanciando a gente dessas pessoas incríveis. Não gosto quando me chamam de “doutora”. Não gosto quando eles perguntam “quanto é cada sessão?”, não gosto quando eu não posso atender de graça.
Não gosto das expressões “lista de espera”, “não dá”, “não pode”, “não tem leito” e “o SUS não paga isso ou aquilo”, “a agenda tá lotada” e nem “não dá pra fazer”.
Eu gosto do sorriso dos pais quando, depois de meses, conseguimos dar uma colherada qualquer de comida pra criança por onde ela sempre deveria ter entrado: pela boca e não pelo tubo que vai do nariz até o estômago.
Eu gosto do abraço trêmulo dos velhinhos e gosto quando me chamam de “minha filha” e me apertam as mãos como se me abençoassem, me fazendo encher os olhos de lágrimas.
Eu gosto de achar furos nas agendas e atender até mais tarde “só hoje, pra ver se ele melhora mais um pouco”.
Eu gosto tanto, mas tanto do que eu faço que, não fossem as minhas próprias contas, faria tudo de graça. E gosto tanto, mas tanto dessas pessoas que admiro cada uma delas com a maior verdade do mundo.
Eu não tenho muita experiência.
Muitas vezes, eu não sei o que responder pros pacientes, nem pra equipe médica, nem pra família.
Mas eu tenho tanto amor pela minha profissão e acredito tanto nela, que eu saio de lá leve, e com a plena certeza de que eu fiz tudo o que eu podia pra melhorar a vida daquelas pessoas pelo menos por mais um dia. Incríveis pessoas.
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